O século XXI: A besta da desinformação como o nosso maior anticristo? Se Nostradamus acertou no conteúdo — o engano — provavelmente errou na forma — a pessoa.
Se o anticristo de Nostradamus nunca vestiu farda, coroa ou manto vermelho, talvez porque ele não seja um homem de carne e osso — mas um algoritmo. Um ente invisível que habita as redes, alimenta-se de cliques e reproduz-se à velocidade da histeria. A desinformação, mais do que um sintoma, é o próprio anticristo de nosso tempo: não surge para destruir corpos, mas para devorar corações e mentes, especialmente os que ainda buscam sentido em coisas do que na alma das pessoas.
Nostradamus imaginou o Anticristo como uma força de engano global, um sedutor das massas, um mestre da mentira que arrastaria multidões ao erro. Ele apenas errou a forma — não seria um tirano de carne e osso, mas uma arquitetura de dados, uma máquina de distorcer o real. As fake news são suas profecias reversas: não anunciam o futuro, fabricam-no, moldando percepções e corroendo a ideia de verdade até que tudo se torne relativo — exceto o lucro das big techs.
A desinformação é o milagre invertido: multiplica o pão da ignorância, transforma a dúvida em crença e a mentira em fé. Ela promete libertar o homem da manipulação, enquanto o aprisiona no conforto de suas próprias certezas. O inferno que ela inaugura não é um lago de fogo, mas um mar de conteúdo onde todos nadam e ninguém pensa.
Os apóstolos desse anticristo não são demônios, mas influencers de bets, políticos que vendem ódio como patriotismo, e corporações que descobrem que a mentira dá mais engajamento que a verdade. A desinformação é o pacto faustiano do século XXI: em troca de atenção, doamos o nosso discernimento; em troca de pertencimento, sacrificamos o pensamento crítico e tudo que realmente importa.
Nostradamus falava em sinais no céu. Talvez ele tenha visto — não estrelas cadentes, mas satélites, antenas, telas luminosas piscando como olhos de uma besta global. A profecia cumpriu-se: o anticristo não veio para destruir o mundo, mas para garantir que ele continue funcionando, mesmo sem sentido que faça a maioria sentir logo ao acordar aquele puta mal da pós-modernidade descrito pelo sociólogo polonês, Zygmunt Bauman.
E o exorcismo? Não virá de cruz ou espada, mas de consciência. De educação crítica, jornalismo ético, e da coragem de duvidar até daquilo que mais queremos acreditar. Porque, no fim, o verdadeiro milagre será recuperar a capacidade de pensar — antes que o apocalipse da verdade se torne irreversível como um sorvete italiano.
Sem querer saber, vivemos os mesmos dias que antecederam o crepúsculo dos Neandertais 40 mil anos atrás. A diferença é que, agora, a extinção não vem pelo frio ou pela fome — mas pela saturação de ruído. Se outrora o fogo iluminou as cavernas, hoje ele queima de dentro das telas. O homo sapiens digital, orgulhoso de sua inteligência artificial, começa a ceder o espaço para algo pós-humano: uma criatura que já não pensa, apenas reage.
Os Neandertais foram vencidos por inferioridade física e também por uma desvantagem simbólica: sua linguagem não acompanhou a velocidade do mundo que nascia por meio de uma nova forma de violência. Hoje, nós — herdeiros da fala e da abstração — corremos o risco de sermos derrotados pela própria abundância de linguagem — sujeito + verbo + predicado. São palavras demais, sentidos de menos. Informação em overdose, sabedoria em coma.
O Anticristo digital não precisa suprimir a razão; basta torná-la irrelevante. Ele cria bolhas de crença, microcosmos de convicções onde o real é maleável, a mentira é reconfortante e o ódio é uma forma de pertencimento. Nesse ambiente, os sapiens “descolados”começam a se parecer com um Neandertal que ele ajudou a extinguir: limitado, tribal, guiado pelo instinto e pela emoção. A regressão não é biológica, é cognitiva. Pior, em temos de meritocracia total.
Como os Neandertais diante do avanço do gelo, muitos pressentem o fim — mas continuam repetindo os mesmos gestos, as mesmas narrativas, as mesmas guerras simbólicas. O crepúsculo volta a se erguer, desta vez pixel por pixel. Tudo diante de nós: a sedutora tela azul.
A desinformação é o grande anticristo porque não enfrenta Deus — apenas o substitui. É o novo demiurgo do mundo digital, criador de realidades paralelas e destruidor de consensos mínimos. Nostradamus imaginou o apocalipse como um espetáculo pirotécnico, mas o verdadeiro fim dos tempos é mais sutil: é a extinção lenta da verdade, corroída por memes, bots e “opiniões” travestidas de fatos versossímeis narrados no horário nobre da TV.
O profeta francês previa guerras, cataclismos, bestas saídas do fundo do mar. O que ele não previu foi o algoritmo. Um ser sem corpo, mas com vontade de poder; sem alma, mas com uma eficiência infernal para manipular desejos frágeis. O anticristo, portanto, não é um líder tirano, mas um sistema que transforma mentira em capital e confusão em lucro para benefícios de muitíssimos poucos.
Se Nostradamus tivesse vivido na era do TikTok, talvez tivesse entendido que o fim do mundo não seria anunciado por trombetas, mas por notificações alucinadas. Seu apocalipse seria uma timeline infinita, onde cada deslize de dedo apaga um pouco mais da nossa capacidade de pensar, discernir, amar...
O conteúdo da profecia falhou porque partia da crença de que o mal viria de fora, como uma invasão alienígena. Hoje sabemos que ele brota de dentro — do prazer de estar certo, da preguiça de verificar, do conforto da crença. O anticristo não precisa dominar o mundo; basta que cada um de nós se torne um pequeno profeta da desinformação, repetindo o que não entende e acreditando no que deseja, ensimesmado sob o canto da sereia digital.
A tradição apocalíptica, tanto bíblica quanto esotérica,
costuma associar o anticristo a figuras tirânicas e bélicas: Napoleão, Hitler
e, segundo alguns intérpretes, Putin. No entanto, essa leitura literal ignora o
núcleo simbólico da ideia: o anticristo não é apenas “um homem mau”, mas a
encarnação do engano, o oposto do Cristo, que representa a verdade.
Cristo é a verdade que liberta; o anticristo é o simulacro
da verdade que aprisiona. Se o Cristo revela, o anticristo manipula a
revelação. Se Cristo desperta a consciência, o anticristo produz desinformação
e anestesia coletiva.
O grande anticristo vive entre nós há mais de uma década,
desde que a mentira institucionalizada passou a dominar em escala global. O
discurso do bem usado para justificar o mal é o verdadeiro anticristo — não o
ditador que aperta o gatilho, mas o sistema que faz a mentira parecer virtude.
Assim, Nostradamus errou na forma: o mal não se encarnou em um homem
necessariamente, mas se travestiu em mil narrativas enganosas para promover
manipulação em massa. E acertou no conteúdo: o engano — a desinformação — como
arma de destruição em massa.
Em suas Centúrias, Nostradamus descreve três grandes
anticristos: Napoleão, símbolo da ambição imperial; Hitler, do ódio ideológico
e da destruição industrial; e o Terceiro, cuja guerra duraria 27 anos e
devastaria a Terra. Muitos o associam a Putin, pela guerra na Ucrânia e a
tensão nuclear. Contudo, é possível argumentar que o “terceiro anticristo” não
é um indivíduo, mas um sistema global de engano — uma era em que a mentira se
torna mais poderosa que as armas e a desinformação substitui a fé.
Se Hitler representou o mal do ódio e Putin o mal da guerra,
o século XXI encarna o mal do engano absoluto — o anticristo da era digital. Um
mundo onde fake news, deepfakes, IA’s sedutoras ma sem ética e manipulação de
massas dissolvem a fronteira entre o real e o falso. A verdade já não é
revelada — a mentira é produzida sob demanda.
Nessa lógica, o anticristo não vem montado num cavalo, mas
num algoritmo. Não surge das trincheiras, mas das telas azuis cada vez mais
sedutoras. Ele não precisa conquistar territórios — basta dominar narrativas.
Basta dominar a sua atenção nervosa.
Eis o grande paradoxo do engano histórico: os antigos temiam o anticristo como guerra. Mas talvez o verdadeiro anticristo tenha chegado sob a forma de paz, conforto digital e consumo anestésico. Enquanto Cristo pregava a consciência, o anticristo oferece distração para todos. E a humanidade, fascinada pela ilusão da informação que supostamente importa, ajoelha-se diante do novo messias — o dado infinito desenhado por “algoritmos endiabrados”.
O versículo de Apocalipse 21:5 declara: “Eis que faço novas
todas as coisas” — a promessa divina de uma criação renovada, fundada na
verdade e na fidelidade da palavra. Trata-se da restauração do mundo pela
palavra criadora, o verbo que reconstrói o real e purifica o caos.
Mas o século XXI parece viver o apocalipse invertido: não a renovação da verdade, mas a multiplicação de enganos. Se Deus cria pela palavra verdadeira, o anticristo da era digital cria mundos falsos pela palavra corrompida — pelos dados manipulados, pelos algoritmos que moldam percepções e pelas narrativas que substituem o real por simulacros e simulações, como antevia no século anterior o filósofo francês, Jean Baudrillard.
Talvez Nostradamus, ao escrever suas centúrias, tenha vislumbrado este instante: um planeta superpovoado e subpensante, onde a desinformação reina como divindade pós-moderna. O anticristo já venceu — não por destruição, mas por distração.
E o paralelo com os Neandertais é quase inevitável. Assim como eles não foram vencidos apenas pela violência de seu tempo, também pela incapacidade de se adaptar a uma nova forma de linguagem e cooperação, nós humanos arriscamos o mesmo destino. Só que, desta vez, o predador é invisível — e vive em nossos dispositivos caros.
Se crepúsculo dos Neandertais foi o começo da linguagem que os humanos começavam a dominar, o nosso fim pode ser o fim dela — a linguagem enviesada. Nostradamus errou, sim. Mas talvez tenha acertado sem saber: o anticristo não é uma pessoa, é uma época. E essa época — feita de desinformação, desatenção e delírio coletivo — já começou.
O problema é tão atual que até governos que se dizem
guardiões da verdade sucumbem ao próprio anticristo da desinformação. Nos
últimos dias, o governo chinês prendeu dezenas de pastores da Zion Church — uma
igreja protestante não registrada que atua de forma independente do Estado. As
acusações incluem “disseminação ilegal de conteúdo religioso pela internet” e
“uso indevido de redes de informação”.
O episódio é apenas mais um capítulo da repressão
sistemática contra house churches, lideranças religiosas autônomas e cultos não
autorizados. O método é amplo: acusações forjadas de fraude ou “negócios
ilegais” para criminalizar dízimos e venda de livros; demolição de templos;
multas, embargos, vigilância digital e restrições à participação de menores.
A ofensiva do governo chinês contra igrejas como a Zion
Church é movida menos por medo da fé e mais por medo da narrativa. No regime
chinês, a verdade pertence ao Estado — e qualquer discurso que escape do
controle partidário é tratado como ameaça à ordem. Sob o pretexto de combater o
“engano”, Pequim tenta preservar o monopólio da moral e da ideologia, temendo
que redes de fé independentes criem microcosmos de liberdade simbólica.
Em essência, o Partido Comunista busca ser o sacerdote supremo da verdade, substituindo a revelação espiritual pela narrativa estatal. Assim, o combate à desinformação torna-se o próprio instrumento da desinformação — o espelho perfeito do anticristo digital, que se alimenta da censura para legitimar o controle absoluto.
Contudo, ainda há uma centelha rebelde em 2025 — o mesmo instinto que um dia fez um Neandertal acender fogo para sobreviver e enfrentar o urso com as próprias mãos. Essa chama hoje se chama consciência crítica. E talvez seja ela, e apenas ela, o que pode impedir que o próximo passo evolutivo seja o do Homo Oblivious — o homem que esqueceu de pensar. Acesse outras postagens no nosso LinkedIn.
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