Capitalismo — Falência da Prosperidade Prometida e do Marketing da Esperança? Crepúsculo dos Homo Sapiens? Harari e Fischer tentam responder!
O contraste entre a utopia tecnológica otimista de Yuval
Noah Harari e o diagnóstico sombrio do Realismo Capitalista de Mark Fisher é
talvez o melhor prisma para compreender o zeitgeist contemporâneo — um tempo em
que o futuro foi sequestrado pelo lucro e a esperança virou ativo especulativo.
Enquanto Harari, o historiador pop israelense de projeção
global, empacota o mito do “homem capitalista infalível” em best-sellers como
Homo Deus, Mark Fisher — o pensador marxista e professor que via na cultura o
campo de batalha do capitalismo — ergue a contranarrativa radical. Sua frase
icônica, “é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo”,
condensa o drama do nosso tempo: a prisão psicológica e simbólica que faz do
capitalismo o único horizonte concebível, limitando até mesmo nossa capacidade
de desejar qualquer novo sem os capitalistas.
Fisher não se contentou em denunciar essa anestesia social;
buscou, em obras como Desejo Pós-Capitalista, traçar as rotas possíveis para
escapar da hegemonia neoliberal e reconstruir o imaginário coletivo. Seu
pensamento é vital para qualquer resistência que não queira se ajoelhar diante
da supremacia tecnológica ou da lógica de mercado disfarçada de inevitabilidade
histórica, — pois, se Deus surgisse ali na esquina, talvez eu pedisse a Ele o favor de permanecer oculto, ou não pediria um milagre, apenas que Ele não me olhasse nos olhos, ou talvez rezasse apenas para não ter de encará-Lo cara a cara.
A crença de Harari na prosperidade e na racionalidade humana
colide violentamente com a realidade geopolítica e com o paradoxo da informação infinita do século XXI. É impossível sustentar o otimismo iluminista diante de Gaza — um
território transformado em ruína digitalmente testemunhada, onde dezenas de
milhares de palestinos são mortos sob o olhar global, enquanto acumulamos
terabytes de dados inúteis. O conhecimento humano, mais vasto do que o sonhado
pelos enciclopedistas ou pelos arquitetos da reconstrução europeia pós-guerra,
não nos tornou nem mais compassivos, nem menos bárbaros.
A politização da geopolítica americana reforça o colapso
moral do Ocidente. A percepção crescente de que os Estados Unidos deixaram de
representar uma “nação universal” para agir como extensão de um projeto
étnico-nacional específico alimenta desconfianças legítimas. Quando figuras
como Donald Trump discursam em parlamentos estrangeiros e altos cargos são
ocupados por elites de laços ideológicos homogêneos, o “sonho americano” se
desvela como um simulacro globalista de interesses particulares: Israel!
Nesse contexto, o marketing da esperança — embalado
anualmente sob a forma de luzes natalinas e narrativas de prosperidade infinita
— perdeu o crédito. O genocídio em Gaza escancara uma falência civilizatória
que remete à extinção dos Neandertais há mais de 40 mil anos: povos derrotados não apenas pela violência
externa, mas pela incapacidade de adaptar seu imaginário à brutalidade do
ambiente. A diferença é que, agora, não é a escassez que nos ameaça, mas o
excesso: o excesso de informação sem sabedoria, de dados sem humanidade, de
progresso sem propósito humanizado.
A Geração Z encarna o ápice desse desespero lúcido.
Diferentemente da geração do pós-Segunda Guerra — que reconstruía o mundo com
menos de 1% da informação de que dispomos hoje —, os jovens de agora percebem
que a tecnologia, em vez de libertar (como sonhava Paulo Freire), nos
acorrentou a um realismo capitalista 2.0, onde tudo é possível exceto mudar o
sistema nos mata e oprime.
O “gráfico em U invertido” da civilização humana talvez
esteja se cumprindo: depois dos picos da Revolução Agrícola, do Iluminismo e da
Revolução Digital, entramos no declínio — uma era em que a informação infinita
não impede o colapso global, apenas o documenta em alta definição.
Vivemos os mesmos dias que antecederam o crepúsculo dos Neandertais? — Certamente! Porém, com 99,9% mais informação que tinham os franceses quando da Revolução Francesa e os alemães quando foram obrigados a ser render em 1945. Hoje, temos Wi-Fi, redes sociais e ainda armas nucleares e nada disso nos fizeram melhores do que antes. A pergunta que resta é se essa loucura
é coletiva ou se apenas os moradores de rua, esses últimos nômades de um
império em ruínas, ainda enxergam com nitidez o que nós, entre telas e
algoritmos, fingimos não ver.
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